13 de dezembro de 2010

Antes era tão fácil

"Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo."

Há dias em que esta frase faz todo o sentido, hoje é um deles!

Cheguei à Suiça já há mais de um mês, o que me permite fazer um pequeno balanço da minha experiência por estes lados.
Como é lógico estava à espera de encontrar algumas dificuldades, senão vejamos:

- estou a cerca de 2000km de distância da família, namorado e amigos,
- a língua não é a mesma, e também não é o Inglês (que não é perfeito mas permite-me agir em qualquer situação, seja no dia a dia ou ao nível profissional),
- os costumes são diferentes (almoçam cedo e jantam ainda mais cedo daquilo a que estou habituada, entre outras coisas),
- a comida é diferente, no supermercado é habitual ver carne de veado ou de cavalo, há pouco peixe,
- o custo de vida é muito acima do nosso em Portugal, produtos básicos como a carne podem chegar a custar 5 vezes mais,
- no laboratório é tudo muito diferente, as pessoas, o modo de funcionamento, os recursos,
- não conheço ninguém.

Qualquer um destes pontos me pode causar algum desconforto e fazer com que o meu percurso seja mais acidentado.
Em relação à distância, antes vivia a 400 km de distância ou 3h30 de comboio, agora são mais 1600 km mas se for de avião ainda demoro menos tempo. A frequência das visitas não será a mesma, mas também sabemos que é uma situação temporária, e o skype permite milagres (como ensinar a minha mãe a ligar para mim com webcam e tudo sem ela nunca antes ter mexido num computador).

A língua é sem dúvida um obstáculo! Cada vez que pergunto se falam inglês e me respondem que não (o que acontece em cerca de 98% das ocasiões) começo logo a panicar. Respiro fundo, conto até dez e aqui vamos nós ao desenrascanço: gasto o meu vocabulário todo de francês, acrescento-lhe meia dúzia de palavras em português com sotaque e, o mais importante, falo com as mãos. Se este ano atribuírem um globo de ouro para o melhor mímico, esse prémio é meu! Qual mimo do anúncio da TMN qual quê!
Em breve não terei este "problema de expressão", já me candidatei ao curso de francês que começa no próximo semestre.

O estilo e o custo de vida são uma questão de hábito. Afinal se começar a trabalhar às 8h, tomo o pequeno almoço em casa por volta das 7h e assim quando chega a hora de almoço (11h45) até tenho algum apetite. Em relação ao custo das coisas, tenho aqui uma boa oportunidade para aperfeiçoar os meus dotes de gestora. Se souber procurar os produtos mais em conta e não me perder em restaurantes suíços, consigo levar uma vida dentro do normal.

O meu pior obstáculo no meio disto tudo são as pessoas!
É uma treta não conhecer ninguém, e não me refiro ao facto de não conhecer pessoas para sair ou passear, estou a referir-me às pessoas com quem convivo no trabalho mas que no fundo não conheço. Não porque não tenha tentado mas porque é difícil entrar no mundo delas.
Quando era pequena era tão simples, boneca para aqui, bola para ali e já está, temos amigos no bairro todo! Agora canso-me de tentar...
Considero-me uma pessoa tímida, mas não anti-social e julgo que até me esforço quando estou com pessoas que não conheço. Detesto sentir-me invisível! Sou um espectro e todos os que se cruzam comigo no caminho atravessam-me como se não me vissem.
Por vezes o convívio depende das oportunidades, é verdade. No início meti conversa com uma rapariga para sondar onde ia almoçar, que é como quem diz "posso ir almoçar contigo?". Azar o meu, ela não almoça, passa o dia a beber chá e sumos de fruta. na minha ala não há muita gente. Solução? Ir almoçar sozinha e meter conversa com pessoas de outros grupos e do meu que também estejam a almoçar.

Hoje estou um pouco sensível a este factor. O motivo? Festa de Natal em casa do chefe em conjunto com o grupo da esposa dele.
Como é possível estar numa casa com mais sessenta pessoas e sentir-me sozinha? Estranho? Talvez! Mas que sensação horrível esta!
Mais uma vez o sentido de oportunidade, apesar de ter chegado depois da hora marcada estavam lá duas ou três pessoas. A probabilidade de eu conhecer alguém era ridícula, ainda por cima nunca tinha sido apresentada à esposa do chefe. Eu sou tão boa nestas situações, como um elefante numa loja de cristais...
Quando não me estava a tentar colar-me a algum grupo (que mais pareciam ter escudos protectores à volta) estava a comer a a beber. Se a festa durasse mais tempo iam precisar de um guindaste para me tirar dali.

Não foram só momentos maus, com o passar do tempo a coisa melhorou um pouco e quase que me senti integrada. Tive ainda a oportunidade de conhecer melhor as pessoas do grupo e o chefe, o que foi muito bom. Adorei ver a forma como se dão, sem hierarquias e estatutos, não havia questão do Senhor Professor Doutor. O chefe estava super casual, sem peneiras, convivia, mandava piadas e até cozinhou um dos pratos principais. Não  sei se teria a oportunidade de ver algo semelhante noutros sítios.

Cheguei a casa exausta e pela primeira vez desde que estou aqui, chorei!
Estava a conter as lágrimas há horas, entrei num turbilhão de sentimentos, e quando me perguntaste como tinha corrido não consegui conter.
Esperaste que o choro passasse e lá me sossegaste o coração. :)
De longe vinham também palavras de aconchego, de quem já passou por algo semelhante e sobreviveu.

Diz o ditado que o que não nos mata, torna-nos mais fortes. Também acho que é assim!

p.s.: Este post foi escrito na sexta-feira (dia 10 de Dezembro), serviu como desabafo que guardei para mim. Hoje decidi publica-lo, porque afinal de contas também faz parte da minha experiência aqui em Lausanne que não é feita só de coisas boas e lugares bonitos.

10 comentários:

Tulipa Negra disse...

Passei por isso já lá vão 9 anos, mas ainda me lembro bem. Com algumas diferenças, pois tive a sorte de trabalhar com gente muito boa (e portugueses, o que ajuda muito, principalmente em relação ao "calor" que outros povos não demonstram tão facilmente). Digo-te só isto: há momentos horríveis, em que só apetece chorar, largar tudo e apanhar o primeiro avião de volta a Portugal. Mas depois de desabafar e de acalmar, vais ver que as coisas nem são assim tão más como isso. E quando passar mais algum tempo, quando tiveres a tua rotina, começas a sentir-te em casa. Vais continuar a sentir falta da família, dos amigos e do namorado, claro. Mas ao mesmo tempo, o regresso é tão bom! A minha estratégia era (é) pensar sempre na próxima viagem: assim que regressava, marcava a seguinte. Desta forma, tinha sempre um objectivo, qualquer coisa que me ajudava a continuar a lutar todos os dias. Ah, e ligar para Portugal a toda a hora, sempre que me desse vontade (a conta do telefone era astronómica, mas fazia-me muito bem). E o mais importante é estares ocupada para a cabeça não pensar no que não deve: arranja um hobby.
Beijinhos e força!

noiseformind disse...

Queixinhas,

So tens direito a submeter reclamacoes depois de passares mais de 5 anos sem ir ao teu pais de origem. Se ainda tens uma restea feminista em ti apaga este post e mete um a falar sobre as maravilhas de estar num pais em que as caixas de deposito sao tao seguras e nem precisam de documentos para ser alugadas.

noiseformind disse...

Se bem que esta parte ate teve piada e tal:

"Se este ano atribuírem um globo de ouro para o melhor mímico, esse prémio é meu! Qual mimo do anúncio da TMN qual quê!"

dani disse...

Tulipa: Obrigada pela força!
Eu considero que tenho bons colegas, todos eles são muito cordiais e ajudam-me sempre que preciso, inclusive com sugestões para o trabalho (coisa rara num meio competitivo). Em termos pessoais é que que eu acho que é mais difícil (mas não impossível). Como disse escrevi o texto na sexta-feira logo depois da dita festa, estava mais sensível e todos os sentimentos se amplificam.
Depois de reflectir vejo que até não é tão mau, afinal de contas em Braga cheguei a estar 3 meses sem ir a casa. Só não me posso esquecer que ir a uma festa destas sem conhecer bem uma única pessoa não é para repetir quando não se tem "jogo de cintura" nesta coisa do social.
Quanto aos hobbies estou a tratar disso com o curso de francês, ginásio e inscrição no clube de fotografia da universidade. :D
beijinhos

dani disse...

noiseformind: O que tem a ver o feminismo com admitir que o meu mundo não é perfeito aqui e as coisas não são cor de rosa?
Deixa-me adivinhar estiveste fora durante 5 anos sem poderes visitar o teu país de origem? So what? As pessoas são de um modo geral diferentes umas das outras e como seria de esperar reagem de modo diferente quando estão diante das mesmas dificuldades.
A propósito da segurança deste país, é tão seguro que num espaço de dias me desapareceram 17 francos da carteira e a câmara fotográfica. :(

noiseformind disse...

Agora que falas nisso dos 5 anos... se calhar... mas pronto, foi nos EUA, admito que viamais distracoes. Mas pronto, mesmo sem isso...

Ha que lutar, nao desanimar. Desanimar so serve para, tal como os imegojados que seguiam Moises, nos fazer lembrar o quao bom era o cantinho onde estavamos e como as cebolas (as panelas, nao o vegetal) estavam sempre cheias de comida na hora do tacho. E esse n e o espirito com que se da novos mundos ao mundo.

E chato e n e perfeito mas e novo. E novo e que tem de ser posto acima de tudo pelo lado do desafio. O desafio esta ai, ao enfrenta-lo existe a possibilidade que antes nao existia: a de triunfar.

catarina disse...

Oh Dani!! Como eu te percebo. Sim as pessoas sentem as coisas de forma diferente e eu tb chorei e só foram precisas duas semanas. Mas estava tudo a correr tão mal... Mas pronto entretanto entramos no esquema, as pessoas vão aparecendo e no final aposto que nem vamos querer ir embora.
Ou então vamos chorar de novo!! lol
Com saudades do que fica :D

dani disse...

catarina: Somos umas choronas!! É mesmo esse o espírito, acreditar que as coisas melhoram e que no fim vamos ter saudades! :D

Malena disse...

A cordialidade superficial é do pior! Eu acho! Faz-nos acreditar que "chegamos" às pessoas e logo vemos que nem lá perto estamos!
Mas o tempo vai passar num instante, vais ver! Não tarda nada estás nos braços de um certo animal selvagem, a comer chocolate e a mostar fotos à famíla! Força aí pequena cientista!
Beijocas repenicadas :))

dani disse...

Malena: É mesmo chato quando vês que estamos a léguas de distância das pessoas, mas nada que o tempo e a convivência no dia a dia não resolvam.
Eu não quero que o tempo passe depressa, por mais que as saudades apertem e as dificuldades surjam, quero aproveitar a oportunidade, crescer como pessoa e como investigadora. Não é todos os dias que se tem uma oportunidade destas! :) beijinhos